Introdução
Já parou para pensar como máquinas tomam decisões que afetam nossas vidas?
De carros autônomos a algoritmos que escolhem o que vemos nas redes sociais ou quem podemos namorar, a inteligência artificial (IA) não é mais uma ficção científica, mas uma parte do nosso dia a dia. E isso nos leva a uma pergunta importante:
Como garantir que essas tecnologias reflitam os valores humanos?
Um dos maiores problemas da humanidade é, primeiro, construir valores que possam ser aplicados universalmente, sem se desfazer da subjetividade que cada um de nós possui e os dos valores que carregamos e construímos em nós mesmos, seja pela nossa própria cultura, seja pelas nossas próprias convicções; segundo, compreender que esses valores universais não podem ser impostos, mas devem ser fruto de um diálogo genuíno e contínuo entre as diversas culturas, crenças e experiências humanas. De fato, isso exige, por um lado, o reconhecimento de que o outro também é portador de verdades e subjetividades, e por outro, tão importante e tão legítimas quanto as nossas.
O que diria Sartre para você?
Jean-Paul Sartre, filósofo francês, um dos maiores nomes do existencialismo, acreditava que somos condenados a ser livres e que cada escolha carrega uma responsabilidade imensa. Para ele, a ética não é uma regra universal, mas algo que construímos nas nossas decisões. Segundo ele, somos presos a uma subjetividade que nos impulsiona à percepção de que cada ação, cada situação, a partir do princípio fundamental de sermos Humanos, se refere não somente ao que compreendemos em nós mesmos como sujeitos individuais sobre o que são as coisas no mundo, mas também como sujeitos coletivos, em que tudo que se refere à minha humanidade se refere, necessariamente, ao outro. Dai pois a frase de Sartre: "o inferno são os outros".
"Qual seria o limite entre as minhas reais escolhas e as escolhas "lógicas" de um algoritmo?"
O que nos leva a refletir: qual seria o limite entre as minhas reais escolhas e as escolhas "lógicas" de um algoritmo? Se uma IA estiver "escolhendo por nós", somos responsáveis por esta escolha?
Quando, por exemplos, delegamos à IA a condução do nosso carro e por algum motivo qualquer causamos um acidente, somos os reais responsáveis por ele? Ou quando, como bem propôs Isaac Asimov, em "Eu, Robô", a IA tem que escolher entre salvar a vida de dois humanos e escolhe, segundo as própria análise, salvar a vida daquele que lhe parece mais lógica, mas talvez não a mais humana, isso tira parte da nossa responsabilidade sobre estas vidas? Podemos nos isentar realmente das decisões das IAs?
O que diria Sartre para você? Delegar as suas decisões a uma máquina seria fugir da sua responsabilidade?
Sartre diria que, mesmo ao delegar decisões a uma IA, continuamos sendo os responsáveis últimos por essas escolhas. Ao permitir que uma IA aja em nosso lugar, estamos fazendo uma escolha: a escolha de delegar. Isto significa dizer que essa delegação não elimina a nossa responsabilidade enquanto escolha; pelo contrário, ela reafirma que somos os agentes da decisão. Sartre diria que, ao confiar no "lógico" do algoritmo, estamos tentando evitar a angústia existencial — a consciência de nossa liberdade radical e suas consequências, ou seja, a consciência de estamos preso à nossa liberdade
Se a IA "escolhe por nós", essa escolha reflete a nossa decisão de abdicar do controle sobre nós mesmos e, por isso, não temos como escapar da responsabilidade, pois "ser para si" significa aceitar a autoria plena de nossos atos, diretos ou indiretos.
Não escolher, diria Sartre, já é uma escolha.
É claro que podemos levar ainda a nossa reflexão a outros campos do comportamento ético, como por exemplo, nos questionar sobre quem esta por de traz da programação dessas IAs. O que nos levaria a refletir sobre quem programa e quem obedece estão sobre a mesma responsabilidade Por exemplo, se as IA são programadas por pessoas, será que estamos transmitindo nossos preconceitos para as máquinas? Como um algoritmo pode decidir quem recebe um crédito financeiro ou quem é o mais indicado para um emprego?
Nem sempre empregar é seguir as escolhas da competência... Empregar é também desenvolver um papel social e humano que nos leva a refletir sobre quem realmente necessita de um emprego
ou sobre quem merece um emprego? Podemos delegar isso às IAs sem nos insentar da culpa de que não somos responsáveis pela falta de humanidade ao próximo? Até que ponto a segunda lei da robótica de Asimov, a saber: "um robô deve obedecer às ordens dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a Primeira Lei", implica um poder de escolha da IA ou nossa?
Essas e outras questões pairam em nossas mentes com a chegada efetiva das IAs no nosso dia a dia. Ao mesmo tempo que nos submetemos aos domínios da IAs no nosso dia a dia, estamos cada vez mais inseridos na necessidade de refletir sobre as responsabilidades das nossas ações. Por tanto, não se trata de negar as IAs na nossa vida e no nosso tempo, mas trata-se da necessidade de refletir sobre quais são os limites de liberdade e responsabilidade que eu tenho sobre as escolhas que faço em relação a elas.
A responsabilidade permanece conosco
Diante disso, mesmo no caso de um acidente envolvendo uma IA, a responsabilidade permanece conosco.
A delegação de controle ao carro autônomo foi, em todo o seu sentido, uma escolha deliberada, e essa escolha nos vincula às consequências.
Para Sartre, qualquer tentativa de atribuir a culpa à máquina seria uma forma de má-fé, isto é, de negar ou mascarar a nossa liberdade e responsabilidade ao nos escondermos atrás de fatores externos. Aqui a essência dessa compreensão retoma, novamente, a condição subjetiva plena de liberdade.
No caso de decisões difíceis, como a escolha entre duas vidas, foi o humano quem programou a máquina ou aceitou suas condições de uso. Ao tomar essa decisão, assumimos as implicações éticas e práticas de delegar escolhas críticas que podem nos levar a erros em nossas tomadas de decisões.
Portanto, não podemos nos isentar das decisões das IAs, porque a decisão de confiar na IA já é, em si, um ato de liberdade nosso. A existência precede a essência, e as máquinas, sendo criações humanas, refletem os valores e decisões que imprimimos nelas. Se a IA tomar decisões que pareçam "lógicas", porém desumanas, isso reflete as escolhas humanas que determinaram a lógica das IAs. Disso, podemos afirmar que: “o inferno são as máquinas”. E você, o que pensa sobre isso?
É isso aí.... boa reflexão....